O casamenteiro das “encalhadas”


Em Portugal, existe dois santos casamenteiros. Um com o seu trono em Lisboa que é Santo António, e outro situado a norte, S. Gonçalo de Amarante. Para não haver concorrência desleal entre os dois, Santo António encarrega-se das moças, enquanto S. Gonçalo trata das velhas. É esta a crença popular, mas não é só por esse motivo que a igreja de São Gonçalo é local de paragem obrigatória.

S. Gonçalo tem honras de Padroeiro de Amarante e a sua memória é festejada em duas ocasiões no ano: a 10 de janeiro data do seu falecimento e no primeiro fim de semana de junho, com as grandiosas festas da cidade.

Oriundo da nobre família dos Pereira, Gonçalo nasceu no Paço de Arriconha, freguesia do Divino Salvador de Tagilde – Vizela, por volta de 1187 e herda de seus pais a nobreza no sangue e a grandeza na Fé.

É educado nos bons princípios cristãos e, quando atinge a mocidade, opta pela vida eclesiástica, estudando as primeiras letras, crê-se, no mosteiro beneditino de Santa Maria de Pombeiro de Ribavizela, Felgueiras, prosseguido estudos no Paço Arcebispal de Braga, onde viria a ser ordenado sacerdote. Foi-lhe confiada a paróquia de S. Paio de Vizela, tornando-se, em data incerta, cónego de Santa Maria da Oliveira (Colegiada de Guimarães).

Não satisfeito com a vida paroquial e ardendo no desejo de conhecer os lugares mais Santos do Cristianismo, decide encetar uma longa peregrinação a Roma, para estar junto dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, seguindo, depois, para a Palestina.

Após catorze anos, Gonçalo regressa à sua paróquia de S. Paio de Vizela que, durante a sua ausência, fora dirigida por um sobrinho que, o não reconhecendo, o expulsa de casa. Desiludido com a vida opulenta e faustosa do seu substituto e deparando-se com o desrespeito aos ensinamentos e à humildade cristã, decide abandonar a vida paroquial e opta por um modus vivendi mais contemplativo, eremítico e evangelizador. Embevecido neste espírito, toma o hábito da Ordem de S. Domingos.

Foi através desta nova forma de vida que chegou ao vale do Tâmega. Deparando-se com uma ermida arruinada dedicada a Nossa Senhora da Assunção, localizada num local ermo, junto ao rio e nas imediações de uma ponte devoluta, aí se instala e recupera o velho templo.

Calcorreando as povoações do vale do Tâmega e da Serra do Marão, Frei Gonçalo, acompanhado por um irmão espiritual, frei Lourenço Mendes, evangeliza e abençoa uniões matrimoniais, apoia e protege os mais desfavorecidos e realiza alguns prodígios, que lhe vão conferindo aura de santidade. No decorrer destas ações pastorais, depara-se com as dificuldades e com o perigo que os seus fiéis corriam ao aventurarem-se a atravessar o rio, principalmente nas alturas em que este se apresentava mais caudaloso e, na falta de alternativas, decide empreender, ele próprio, o restauro ou a reedificação da velha ponte romana, nos idos de 1250.

Para a sua reconstrução terá contado com a participação de todos, desde os mais abastados que contribuíram com alguns numerários e matéria-prima e os mais pobres que, com o seu esforço, executaram a obra. Consta que o arquiteto fora o próprio santo. A ponte medieval haveria de perdurar até ao dia 10 de fevereiro de 1763, altura em que sucumbe face à turbulência das águas do Tâmega, durante uma cheia, desmoronando-se por completo, tendo apenas sobrevivido o cruzeiro biface de Nossa Senhora da Ponte.

Após a construção da ponte e do restabelecimento do tráfego, o frade dominicano continuou com a sua vida de pregador até ao dia da sua morte, ocorrida a 10 de janeiro de 1259.

A partir de então, muitos foram aqueles que acorreram ao seu túmulo, instalado na mesma ermida onde residiu para, junto aos seus restos mortais, pedirem ou agradecerem a sua intercessão.

Em 1540, D. João III manda construir, no lugar da velha ermida medieval, um convento que entrega aos frades pregadores de S. Domingos, Ordem à qual o Santo estava vinculado.

No dia 16 de setembro de 1561, Gonçalo de Amarante é beatificado pelo papa Pio IV e, algum tempo depois, já no reinado de D. Filipe I de Portugal (II de Espanha), inicia-se o seu processo de canonização, que acaba por ficar sem efeito.

O Papa Clemente X, em 1671, estende o ofício da sua festa litúrgica a toda a Ordem Dominicana, que é celebrada no dia do seu falecimento, a 10 de Janeiro.

Daí para cá o seu culto jamais parou de se difundir e propagar em Portugal e nos países lusófonos, destacando-se o Brasil, onde várias localidades o têm por padroeiro.

São Gonçalo é considerado o “casamenteiro das velhas”, e isto parece não agradar às mais jovens, tendo assim nascido a famosa quadra popular de Amarante:

S. Gonçalo de Amarante,
Casamenteiro das velhas,
Porque não casas as novas?
Que mal te fizeram elas?

Oração de casamento para São Gonçalo:

“São Gonçalo do Amarante, Casamenteiro que sois, Primeiro casais a mim; As outras casais depois.

São Gonçalo ajudai-me, De joelhos lhe imploro, Fazei com que eu case logo, Com aquele que adoro.”

São Gonçalo de Amarante está enraizado na cultura da Princesa do Tâmega, com doces peculiares com formas fálicas, com quadras picantes que e com uma história rica de conquistas e actos heróicos importantes na construção da história de Portugal. Segundo a lenda popular, São Gonçalo é casamenteiro e é, por isso, que durante as festas são vendidos e apreciados “os doces fálicos” de S. Gonçalo, de todos os tamanhos e feitios.

Se fordes ao S. Gonçalo
Trazei-me um S. Gonçalinho.
Se não puderdes co’ele grande,
Trazei-me um pequenininho!

Também têm larga projecção no folclore, quadras de sentido erótico:

São Gonçalo de Amarante
Casai-me que bem podeis,
Já tenho teias de aranha,
Naquilo que vós sabeis.

São Gonçalo de Amarante
Feito de pau azevinho
Dai-me força no vergalho;
Como porco no focinho

São Gonçalo de Amarante
Que estás virado prá vila
Virai-vos pró outro lado
Que vos dá o sol na pila

S. Gonçalo, de maneira igualmente erotizante, aparece no folclore açoreano nestas quadras:

S. Gonçalo já é velho,
É velho, é maganão,
Quando passa pelas moças,
Arrefia, aperta a mão!

Róla, róla, Sam Gonçalo
Por esse mundo abaixo
Que eu perdi meu amor,
Eu vou-me a ver se o acho!

As quadras com piadas eróticas chegam mesmo a estender-se às religiosas que outrora viviam em Amarante:

As freiras de S. Gonçalo
Tocam e bailam no coro,
A culpa é da abadessa
Que não lhes faz ter miolo!

Com a emigração de amarantinos para o Brasil, a aculturação da devoção erotizada a S. Gonçalo aparece dispersa no nordeste do Brasil.

São Gonçalo não quer missa
São Gonçalo não quer esmola
São Gonçalo quer uma festa
De rebeca e de viola

Oh! Meu senhor São Gonçalo
Feito do pau da Cajá
Sapiranga dentro dos olhos
De quem veio pra namorar

Oh! Meu senhor São Gonçalo
Aqui tens duas donzelas
Uma já não é bem moça
E a outra já falam dela

Creditos:
https://www.cm-amarante.pt/pt/s-goncalo-de-amarante
https://descobrirportugal.pt/sao-goncalo-de-amarante-o-casamenteiro-das-encalhadas/